segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Tempos Keynesianos

A crise financeira que emergiu em 2007-2008, cujos desdobramentos ainda se fazem sentir nos dias de hoje, é, sobretudo, a crise da globalização financeira, entendida como uma tendência à criação de um mercado financeiro global e de intensificação no fluxo de capitais entre países. Esse processo remonta a crise do sistema de Bretton Woods e a formação do mercado de eurodólares, que, diga-se de passagem, acabou contribuindo para a desregulamentação doméstica dos sistemas financeiros – com o fim da segmentação entre mercados – e a liberalização dos fluxos de capitais.
Como resultado do processo de desregulamentação financeira, observou-se um acirramento na concorrência entre instituições bancárias e, por conseguinte, queda nas margens de intermediação financeira, tendo como resposta uma tendência à conglomeração financeira e um aumento na escala de operação, via fusões e aquisições. Assim, instituições financeiras passaram a explorar diferentes mercados, inclusive de mais baixa renda. No mercado de títulos, desenvolveram-se mecanismos de securitização, estimulados pelo crescimento de investidores institucionais, em que firmas e bancos se financiam “empacotando” rendas a receber. Em suma, uma vez que a securitização permitia a diluição de riscos no mercado, as instituições financeiras passaram a aumentar sua alavancagem, supondo que os mecanismos de auto-regulação do mercado seriam capazes de continuar avaliando corretamente os riscos inerentes às atividades financeiras.
John Maynard Keynes, em sua Teoria Geral do Emprego, do Juros e da Moeda (TG) de 1936, já chamava a atenção para o fato de que, em economias monetárias da produção, a organização dos mercados financeiros enfrenta um trade-off entre liquidez e investimento: por um lado, eles estimulam o desenvolvimento da atividade produtiva ao tornar os ativos mais líquidos, liberando, portanto, o investidor da irreversibilidade do investimento; por outro, aumenta as possibilidades de ganhos especulativos. Assim, ao estabelecer uma conexão entre os mercados financeiro e real da economia, Keynes na TG (1964, p.159) escreve que “a posição é séria quando o empreendimento torna-se uma bolha sobre o redemoinho da especulação. Quando o desenvolvimento das atividades de um país torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será mal-feito”.
Indo ao encontro de Keynes, nos dias de hoje, a ação dos global players, em um mercado mais liberalizado e integrado, faz com que os mercados financeiros convertam-se em uma espécie de grande cassino global. Especulação, em uma economia global, tem caráter disruptivo não somente em mercados domésticos, mas sobre países como um todo, criando uma espécie de cassino financeiro ampliado. Na perspectiva keynesiana, instabilidade financeira não é vista como “anomalia”, mas como resultante da própria forma de operação dos mercados financeiros em um sistema no qual não existe uma estrutura de salvaguarda que exerça o papel de um market marker global. Assim, o formato institucional específico dos mercados financeiros determina as possibilidades de se ter um ambiente em que a especulação possa florescer. Crises financeiras não são apenas resultados de comportamentos “irracionais” dos agentes, mas resultam da própria forma de operação dos mercados financeiros globais liberalizados sem um sistema de regulação adequado. A crise financeira internacional, cuja origem está nas perdas causadas pelo crescente default dos empréstimos das hipotecas de alto risco do mercado subprime americano e que, devido ao fato de que grande parte dessas hipotecas foram securitizadas e distribuídas a investidores do mercado global, acabou tornando-se global, nos induz a duas reflexões. Em primeiro lugar, ela põe em xeque os benefícios concretos da globalização financeira, com mercados financeiros desregulados, inclusive nos países desenvolvidos. Em segundo lugar, ela nos remete, a partir das medidas de natureza fiscal e monetária implementadas pelos países desenvolvidos e, em menor grau, por países em desenvolvimento – tais como injeção de liquidez e de capital nos sistemas financeiros por parte das autoridades econômicas destes países e redução sincronizada da taxa básica de juros dos principais bancos centrais mundiais – para se evitar a repetição de uma grande depressão, tanto a repensar o próprio papel do Estado na economia, quanto à necessidade de re-regulamentar os sistemas financeiros domésticos e reestruturar o sistema monetário internacional.
Essa é uma parte do texto Tempos Keynesianos que compõe o Dossie da Crise II, artigo escrito por vários economistas respeitados, através da Associação Keynesiana Brasileira para explicar e estudar a crise em vários aspectos. É um artigo bem completo, porém achei válido ressaltar esse trecho, que está bem de acordo com o que estudamos sobre a crise.

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