terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A RECONSTRUÇÃO DO ESTADO

 

Bilhões gastos por Bush resgatam idéias keynesianas

por Leonardo Atuch
Assim que as duas torres do World Trade Center desabaram, o mundo redescobriu o óbvio: quando a superpotência econômica entra em crise, a receita para encurtar uma recessão é o oposto do que se costuma propor para países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, em momentos de depressão, aposenta-se a ortodoxia liberal e os governantes lançam mão de medidas que classificariam como heresias, quando aplicadas em outros países. Em vez de superávits fiscais, mais gastos públicos, numa apoteose expansionista. No lugar do arrocho monetário, a menor taxa de juros em 40 anos. Desregulamentação e privatização? Nada disso. Agora, o Estado é novamente chamado a assumir serviços essenciais e a segurança nos aeroportos é o melhor exemplo. É como se, subitamente, depois de Osama Bin Laden, o hard disk da economia americana tenha sido trocado. Em vez de rodar numa plataforma monetarista, à la Milton Friedman, a máquina agora funciona sob os comandos de um software programado com os códigos de John Maynard Keynes, o economista inglês que subverteu a ordem ao propor um papel ativo dos governos em períodos de crise e cujas idéias ajudaram a tirar o mundo da Grande Depressão nos anos 30. Na teoria, a mão invisível do mercado deve dar lugar a uma mão corretiva do Estado. Pelo menos, na hora em que o calo aperta.
Depois de 11 de setembro, a mão direita de George W. Bush entrou em ação sem pedir licença. Foram várias canetadas: US$ 20 bilhões para a aviação, US$ 70 bilhões para o Pentágono e mais US$ 100 bilhões em incentivos fiscais para grandes empresas e consumidores, sem falar no contrato de US$ 200 bilhões para a compra de jatos vencido pela Lockheed Martin. Com tudo isso, Bush decidiu praticamente torrar os superávits fiscais acumulados na era Clinton. Para uma economia que gira US$ 10 trilhões por ano, pode até parecer pouco. Mas as medidas revelam uma postura ativa do governo diante da crise. É o mesmo que Alan Greenspan tem procurado demonstrar. O timoneiro do Federal Reserve, o banco central americano, reduziu a taxa de juros 11 vezes consecutivas em 2001. A atual, em 1,75% ao ano, é inferior à inflação. Ou seja: os Estados Unidos hoje têm juros negativos. E além de simplesmente cortar as taxas, o governo americano fez uso de sua liderança internacional, cobrando ação semelhante em todo o mundo, do Japão à Europa, para injetar liquidez no sistema financeiro internacional – nesse esforço, os principais bancos centrais do mundo anunciaram novas linhas de crédito de US$ 120 bilhões.
O resgate das idéias keynesianas, que por muito tempo permaneceram guardadas no armário, sob o rótulo de estatizantes e inflacionistas, não agradou a todos. Milton Friedman, o maior rival intelectual de Keynes e um pensador ainda ativo, da Universidade de Chicago, foi uma das vozes dissonantes. “A crise serviu de pretexto para os políticos mais uma vez gastarem o dinheiro dos outros em prol de seus próprios interesses”, declarou. Só que a redescoberta do Estado pelos americanos já vinha se desenhando bem antes de 11 de setembro. Os apagões da Califórnia são o melhor exemplo. Depois de uma privatização ruim e um modelo de desregulamentação inconseqüente, um dos Estados mais ricos dos EUA ficou no escuro. Qual foi a solução? O governo foi obrigado a intervir para garantir a oferta de energia e a redução dos preços. Sinal de que, nos Estados Unidos, a propaganda do laissez-faire tem sido, em muitos casos, um produto apenas de exportação.
Bom, e o Brasil nisso tudo? Continuamos com a maior taxa de juros do mundo – 19% ao ano contra 1,75% nos Estados Unidos – e também com o maior superávit primário: quase 4% do PIB. É curioso que, mesmo com baixo crescimento, o País seja levado a manter juros altos e a cobrar mais impostos. Paul Krugman, economista do MIT, matou a charada. Só países “de primeira linha” têm tido liberdade para adotar receitas keynesianas em momentos de crise. Ainda não é o caso do Brasil.

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